*Rubem
Alves
Estou com medo de que as
crianças me chamem de mentiroso. Pois eu disse que o negócio dos professores é
ensinar a felicidade. Acontece que eu não conheço nenhuma criança que concorde
com isto. Se elas já tivessem aprendido as lições da política, me acusariam de
porta voz da classe dominante. Pois, como todos sabem, mas ninguém tem coragem
de dizer, toda escola tem uma classe dominante e uma classe dominada: a
primeira, formada por professores e administradores, e que detém o monopólio do
saber, e a segunda, formada pelos alunos, que detém o monopólio da ignorância,
e que deve submeter o seu comportamento e o seu pensamento aos seus superiores,
se desejam passar de ano.
Basta contemplar os olhos
amedrontados das crianças e os seus rostos cheios de ansiedade para compreender
que a escola lhes traz sofrimento. O meu palpite é que, se se fizer uma pesquisa
entre as crianças e os adolescentes sobre as suas experiências de alegria na
escola, eles terão muito que falar sobre a amizade e o companheirismo entre
eles, mas pouquíssimas serão as referências à alegria de estudar, compreender e
aprender.
A classe dominante
argumentará que o testemunho dos alunos não deve ser levado em consideração.
Eles não sabem, ainda… Quem sabe são os professores e os administradores.
Acontece que as crianças não
estão sozinhas neste julgamento. Eu mesmo só me lembro com alegria de dois
professores dos meus tempos de grupo, ginásio e científico. A primeira, uma
gorda e maternal senhora, professora do curso de admissão, tratava-nos a todos
como filhos. Com ela era como se todos fôssemos uma grande família. O outro,
professor de Literatura, foi a primeira pessoa a me introduzir nas delícias da
leitura. Ele falava sobre os grandes clássicos com tal amor que deles nunca
pude me esquecer. Quanto aos outros, a minha impressão era a de que nos
consideravam como inimigos a serem confundidos e torturados por um saber cujas
finalidade e utilidade nunca se deram ao trabalho de nos explicar.
Compreende-se, portanto, que entre as nossas maiores alegrias estava a notícia
de que o professor estava doente e não poderia dar a aula. E até mesmo uma dor
de barriga ou um resfriado era motivo de alegria, quando a doença nos dava uma
desculpa aceitável para não ir à escola.
Não me espanto, portanto,
que tenha aprendido tão pouco na escola. O que aprendi foi fora dela e contra
ela. Jorge Luís Borges passou por experiência semelhante. Declarou que estudou
a vida inteira, menos nos anos em que esteve na escola. Era, de fato, difícil
amar as disciplinas representadas por rostos e vozes que não queriam ser
amados.
Esta situação, ao que
parece, tem sido a norma, tanto que e assim que aparece frequentemente relatada
na literatura. Romain Rolland conta a experiência de um aluno: “… afinal de
contas, não entender nada já é um hábito. Três quartas partes do que se diz e
do que me fazem escrever na escola: a gramática, ciências, a moral e mais um
terço das palavras que leio, que me ditam, que eu mesmo emprego – eu não sei o
que elas querem dizer. Já observei que em minhas redações as que eu menos
compreendo são as que levam mais chances de ser classificadas em primeiro
lugar”. Mas nem precisaríamos ler Romain Rolland: bastaria ler os textos que os
nossos filhos têm de ler e aprender. Concordo com Paul Goodmann na sua
afirmação de que a maioria dos estudantes nos colégios e universidades não
desejam estar lá.
Estão lá porque são
obrigados. Os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a vara
já foram abolidos. Mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um
adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não
consegue compreender, e que nenhuma relação parecem ter com sua vida?
Compreende-se que, com o
passar do tempo a inteligência se encolha por medo e horror diante dos desafios
intelectuais., e que o aluno passe a se considerar como um burro. Quando a
verdade é outra: a sua inteligência foi intimidada pelos professores e, por
isto, ficou paralisada.
Os técnicos em educação
desenvolveram métodos de avaliar a aprendizagem e, a partir dos seus
resultados, classificam os alunos. Mas ninguém jamais pensou em avaliar a
alegria dos estudantes – mesmo porque não há métodos objetivos para tal. Porque
a alegria é uma condição interior, uma experiência de riqueza e de liberdade de
pensamentos e sentimentos. A educação, fascinada pelo conhecimento do mundo,
esqueceu-se de que sua vocação é despertar o potencial único que jaz adormecido
em cada estudante. Daí o paradoxo com que sempre nos defrontamos: quanto maior
o conhecimento, menor a sabedoria. T. S. Eliot fazia esta terrível pergunta,
que deveria ser motivo de meditação para todos os professores: “Onde está a
sabedoria que perdemos no conhecimento?”
Vai aqui este pedido aos
professores, pedido de alguém que sofre ao ver o rosto aflito das crianças, dos
adolescentes: lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a sua
responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: “Por
favor, me ajude a ser feliz…”
*Bacharel
em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, Mestre
em Teologia e Doutor
em Filosofia
(Ph.D.)
pelo Seminário Teológico de Princeton
(EUA)
e psicanalista.
Lecionou no Instituto Presbiteriano Gammon, na cidade de Lavras, Minas Gerais,
no Seminário Presbiteriano de Campinas, na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Rio Claro
e na UNICAMP,
onde recebeu o título de Professor Emérito. Tem um grande número de
publicações, tais como crônicas, ensaios e contos, além de ser ele mesmo o tema de diversas teses, dissertações
e monografias.
Muitos de seus livros
foram publicados em outros idiomas, como inglês, francês, italiano, espanhol,
alemão e romeno.
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