Bruno pede que Assembleia de Deus também seja responsabilizada, já que supostos abusos teriam acontecido dentro do templo. Foto: Emerson Bithencourt/Cortesia
"Começou em 2002, eu
tinha 12 anos. Depois do culto fomos de moto [com um mototaxista] para uma casa
de praia, onde tinham outros dois adultos com mais duas crianças. No caminho,
ele foi alisando minha perna e meu cabelo. Aquilo me assustou. Dormi na sala,
tive medo. Falei que não tinha gostado e passei um tempo sem falar com ele. Com
13 anos ele começou a me conquistar com dinheiro, presentes. Aí começaram os
beijos, carícias, masturbação e estupros, com frequência, à noite, dentro da
tesouraria da igreja.”
Essas são as primeiras
lembranças que o estudante Bruno Dhelena, 25, tem dos abusos que alega ter
sofrido entre 2002 e 2008. O crime teria acontecido ao longo desses anos,
dentro da igreja Assembleia de Deus de Sirinhaém, na Mata Sul do estado, e o autor
seria um ex-presbítero e tesoureiro da igreja, que tinha 26 anos na época da
primeira abordagem, e com quem Bruno seguiu se relacionando até o final de
2015. Em dezembro, o caso foi registrado na polícia e agora a Delegacia de
Sirinhaém investiga a denúncia.
Em entrevista ao Diário,
Bruno conta que os abusos foram evoluindo na medida que o tempo foi passando.
No depoimento prestado à polícia, ele detalhou assédios, beijos e estupros, que
aconteciam em motéis e também dentro da igreja, onde o suspeito trabalharia,
nesta época, como tesoureiro. Nomes de testemunhas, como o mototaxista que os
levou em 2002, também foram revelados, Bruno diz.
Segundo Bruno, a relação
entre os dois estava totalmente associada ao dinheiro que o religioso lhe dava.
“Quando eu tinha 16 anos, ele me deu R$ 2 mil para eu comprar um Iphone. Ele
praticamente me sustentava, mesmo quando fui morar em São Paulo e vivi um
relacionamento lá. Minha mãe confiava muito nele. Eu fazia de tudo para que
todo mundo gostasse dele”, conta o estudante, que afirma ter desenvolvido um
quadro de depressão e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade) por causa das agressões.
“Quando eu tinha 22 anos,
comecei a fazer terapia, a frequentar o psiquiatra e a me tratar com remédios. Entendi
que aquilo não me ajudava e decidi que denunciaria aquela situação" conta.
A coragem, no entanto, só veio no dia 25 de dezembro de 2015. “No mês passado,
ainda fizemos sexo e eu tive que esconder tudo que já planejava. Passei o natal
inteiro pensando nisso e resolvi ir até uma delegacia. A delegada me ouviu e
perguntou se eu tinha vergonha. Não tenho. Estou morto por dentro e quero
ressuscitar”, diz.
Além da condenação do
abusador, Bruno espera que a Assembleia de Deus seja responsabilizada. “A igreja
tem que se responsabilizar. Eu era uma criança, membro da igreja. Outro
presbítero já chegou a nos flagrar às 23h, mas ele disse que eu estava
terminando um trabalho. Não tenho medo nenhum da revanche, nem dele e nem da
Assembleia. Tenho provas”, garante.
Polícia
não se pronuncia
O caso foi registrado na
Central de Plantões, no Recife, e encaminhado para a Delegacia de Sirinhaém,
onde o titular Carlos Veloso conduz as apurações. Para provar as acusações,
Bruno enviou à polícia o áudio de um suposto diálogo entre os dois. O Diário
teve acesso ao material.
Na conversa, Bruno
questiona o religioso, porque ele estaria deixando de lhe dar dinheiro com
facilidade, por não gostar mais dele: “Agora eu estou velho, magro, feio. É
isso, não é?”, ele pergunta. Uma segunda voz, supostamente do presbítero, diz
que “não é isso” e afirma": se tivesse carro iria aí agora”. O suspeito
também fala que antes, por trabalhar na tesouraria da igreja, era mais fácil
conseguir dinheiro.
Além dos áudios, Bruno
disse à polícia que há provas do crime, inclusive fotos, em e-mails e no
computador da Assembleia de Deus.
O Diário entrou em contato
com o delegado, que disse que não adiantaria nenhuma informação. Ele se limitou
a dizer que ainda não começou a ouvir testemunhas. "Cada um pode dizer o
que quiser. Não vamos nos pronunciar porque as investigações correm em sigilo e
as ouvidas só vão começar depois do carnaval", explicou o delegado Carlos
Veloso.
Segundo Bruno, a mãe de
outras duas supostas vítimas vai prestar depoimento, além de outro religioso,
que já o teria flagrado à noite nas dependências da igreja.
Presbítero
prestou queixa por chantagem
Logo após a denúncia ser
oficializada, o ex-presbítero foi afastado da função que exercia na Assembleia
de Deus. Nesta terça-feira, o suspeito, que pediu para não ter o nome
divulgado e nega as acusações, prestou queixa contra Bruno, por chantagem. “Ele
estava me ameaçando, meu casamento, minha família”, disse em entrevista ao Diário.
Segundo o ex-presbítero,
sua relação com a família da suposta vítima começou na igreja, quando Bruno
ainda tinha nove anos. Ele o acusa de não ter provas e que está fazendo isso
por vingança. O acusado conta que tudo começou quando Bruno pediu que o
religioso arcasse com o aluguel de uma casa no Recife, onde ele queria estudar.
Diante da negativa, Bruno teria jurado se vingar.
“Ele não tem provas. Está
usando isso para ser uma pessoa famosa, destacada”, rebate o suspeito, que
classifica Bruno como “uma pessoa que sempre deu trabalho à família,
trambiqueira e gananciosa.” “Não estou dizendo isso para me justificar, é a
realidade. Se perguntar o histórico dele na cidade ninguém vai dar boas
referências. Chegou a mandar fotos indecentes, indecorosas para mim. Queria me
prejudicar, sou uma pessoa casada”, queixa-se o religioso, que afirma estar
“arrasado” com a denúncia.
“Isso ameaça meu emprego,
minha família. Fui pego de surpresa, de repente uma pessoa se levanta para
fazer isso. Me senti prejudicado, sou uma liderança na igreja”, relata o
ex-presbítero, que diz ter procurado Bruno para uma conversa. “Quis botar os
pratos limpos, ele não quer conversa. Quer me arruinar. Estou decepcionado,
como uma pessoa usa de má-fé dessa forma?”
Igreja
abriu processo de exclusão
Procurada pela reportagem
do Diário, a Assembleia de Deus se pronunciou através de nota.
Confira na íntegra:
Devido
à denúncia de abuso sexual supostamente sofrido por um jovem em Sirinhaém,
mata sul do estado, envolvendo um membro da congregação local,a Igreja
Evangélica Assembleia de Deus destituiu das atividades eclesiásticas e
abriu um processo de exclusão da igreja do homem apontado como suposto
autor de abusos sexuais praticados no ano de
2002
contra um menor de idade em Sirinhaém, na mata sul do Estado.
A
direção da IEAD abomina este tipo de comportamento e tomou está iniciativa
para contribuir com as investigações, a fim de garantir que a apuração dos
fatos seja feita de maneira aprofundada pela autoridade competente.