domingo, 31 de julho de 2011

QUATRO QUESTÕES CRUCIAIS PARA OS PASTORES

1. Quem sou eu?

A QUESTÃO DA IDENTIDADE PASTORAL

Como um raio, a verdade atingiu-me em cheio no últi­mo semestre do seminário: dentro de alguns meses eu se­ria um pastor evangélico. Assustado, comecei a estudar e orar de forma diferente. E, lá no fundo do coração, uma pergunta instigava-me constantemente: o que eu faria todos os dias? No princípio, a questão era muito prática. Logo se tornou mais básica e muito real.

SEJA BEM-VINDO, REVERENDO!
Em um dia de muito sol, no mês de julho, eu dirigia uma caminhonete com todos os pertences de minha famí­lia, através das montanhas, em direção a uma cidadezinha no Noroeste da Costa do Pacífico. Uma vez que me encon­trava sozinho — minha esposa e meus filhos viriam depois — tive muito tempo para pensar e mais oportunidades para me preocupar. Quanto mais me aproximava da cidade, mais ansioso ficava. Algo indefinido e estranho me aguardava naquela localidade. Diminuí a marcha do carro para retardar o inevitável.
Porém, também estava emocionado. O seminário fora duro. Eu trabalhara em tempo integral para sustentar a família, mantendo ao mesmo tempo um rigoroso programa de estu­do. Queria aprender tudo o que fosse necessário para sair, no poder do Espírito, e conquistar os principados e as potestades, em nome do Senhor. Um pequeno grupo de seminaristas reunia-se semanalmente para orar no último semestre. Como orávamos para que o fruto e o poder do Espírito Santo nos enchesse! Nós ansiávamos por fazer alguma coisa significativa para Cristo e sua Igreja.
Mas era assustador pensar que logo estaríamos nos púlpitos, para pregar em nome de Deus, e assentados em escritórios, a fim de aconselhar as pessoas pelas quais Cris­to morrera. Eu estava profundamente consciente de que tinha 26 anos de idade e não possuía nenhuma experiência no trabalho que logo faria parte de minha vida. Tinha uma consciência crescente de que não estava preparado.
Entretanto, lã estava eu dirigindo montanha abaixo em direção ao meu campo missionário. Não podia parar a caminhonete nem o inevitável. Cedo demais, pareceu-me, entrei nos limites da cidade e dirigi-me à casa pastoral, que ficava ao lado de uma igreja branca, de madeira, com um século de existência. Eu me encontrava diante do cenário de uma pintura de Norman Rockwell.

O QUE ELES ESPERAVAM?
Lá, na paisagem entre as montanhas, eu era um semina­rista recém-formado, um jovem com um compromisso. Agora, em um simples e misterioso momento, tornara-me um pastor evangélico. Três meses atrás, quando viera para ser entrevistado e preguei para a igreja, era um estudante. Em um ato de espantosa confiança, os membros elegeram-me o seu pastor. Eu era então um "pastor em treinamento", não o pastor real. Agora eu era alguém muito específico, um pastor - o pastor deles. A escola terminara; a realidade estava ali.
Quando atravessei os limites da cidade, entrei em um mundo de imagens e expectativas, nenhuma das quais escolhi e poucas das quais entendi imediatamente. Espera­vam que eu desempenhasse um papel estabelecido pelos meus predecessores, os quais eu não conhecia. Mas eu sabia que eles haviam sido muito importantes para a comunidade. Falavam deles e os citavam. Alguns tinham uma reputação quase mítica. No entanto, queriam esquecer um deles. Eu vivia à sombra de meus antecessores e todos esperavam que vivesse à altura do melhor e fugisse dos caminhos daquele que ninguém queria lembrar.
Ouvi muito e prestei atenção para compreender e apli­car o significado de tudo. Algumas coisas eram muito boas. Meu predecessor imediato morrera um mês antes de eu chegar. Ele fora para ali a fim de concluir o seu ministério e jubilar-se. É triste dizer que ficou muito doente e seus últimos anos foram difíceis para ele e a igreja. Mas a con­gregação o amava e aprendeu a cuidar de um pastor que estava para morrer. Um dia, ao ouvir alguém falar a respei­to disso, tive o pensamento de que, se eles o amaram tanto, provavelmente me amariam também. E amaram.
Algumas das expectativas não eram tão boas assim. Uma senhora me disse: "Espero que o senhor nunca tire um dia de folga. Afinal, o reverendo Ketcham nunca tirou!".  Os habitantes da cidade também tinham expectativas. Os cidadãos locais definiam-me segundo uma tradição comum de um século de existência. Eles esperavam certo tipo de comportamento de seus ministros. Essas expectati­vas raramente eram verbalizadas e, quando o eram, geral­mente eu ficava surpreso. Uma vez, um membro de outra igreja me disse que o meu predecessor era um grande pastor, porque passava muito tempo com as pessoas de outras denominações. Tenho certeza de que criticava o pastor dele. De qualquer forma, de me recomendava que eu deveria passar menos tempo com o meu povo e mais com ele! Outro veio um dia me pedir para orar em um culto memorial da Legião Americana, no cemitério. Eu não o conhecia. Na opinião dele, os pastores deveriam orar pelos soldados mortos uma vez por ano.
Mas eu também tinha expectativas para com a minha igreja e comunidade. Meus antecedentes e treinamentos criaram todo um conjunto de fatores. Eu esperava que os evangélicos agissem como cristãos, os líderes liderassem e a congregação amasse a Deus e sua Palavra. Acima de tudo, deviam cuidar bem de mim! Afinal, eu lhes dava a minha vida. Uma vez que trabalhava para Deus e muitos deles achavam que esta era a vocação mais elevada do mundo, esperava que me respeitassem. Também achava que a cidade me devia o respeito que os ministros dedicados merecem.
Também tinha algumas expectativas vagas a meu res­peito. Sabia que era professor e pregador da Bíblia. Em meu modo de pensar, isso era e é prioritário. Entendia que o ministério pastoral era mais do que sermões dominicais. Percebi durante o meu último ano no seminário que gastaria o restante dos meus dias na direção de igrejas. Na verdade, teria muito tempo para dirigir cultos públicos e pregar. Mas a adoração não fora ensinada em qualquer disciplina do seminário que eu freqüentara. Por isso, rapi­damente, matriculei-me em um curso particular, ministrado por um dinâmico pastor. Foi uma das melhores escolhas que fiz como seminarista.
Era necessário atuar como líder. Era uma parte implícita, mas muito real, de minha formação. Cresci ao lado de autênticos líderes, mas nada sabia a respeito de liderança, exceto a que presenciara. Tinha alguns poucos instintos ainda não manifestados. Meus professores no seminário nada fa­laram a respeito de liderança nas igrejas. Realmente não sabiam nada sobre isso, pois eram acadêmicos e a maioria deles não tinha experiência pastoral nem de liderança. Eles imaginavam que todo excelente pregador e professor era um líder. Mas rapidamente descobri que passaria o restante de minha vida na liderança do povo de Deus. Um experiente pastor me disse: "Tudo começa e acaba na liderança". Logo descobri que ele tinha razão.
Mais do que tudo, queria e esperava ser um sucesso, pela graça de Deus. Meu pai e seus amigos havia realizado alguma coisa importante para Cristo. Eles não pastoreavam igrejas grandes e conhecidas, mas sabiam o que o Senhor esperava deles. Viveram na firme confiança de que o Evan­gelho é o poder de Deus e de que o ministério pastoral fundamentado no Evangelho transforma vidas. Tanto naquele tempo como agora, o Senhor deseja que seus servos realizem grandes coisas para Ele. Eu desejava desesperadamente que Deus abençoasse o meu ministério com vidas transformadas e igrejas cheias de poder.  Tudo isso parecia um fardo esmagador, enquanto eu entrava na cidade e estacionava a caminhonete em frente à casa pastoral. Desliguei o motor e aguardei os aconteci­mentos. Estava ansioso e excitado. Minha nova vida estava começando.

POR ONDE COMEÇAR?
Descarreguei a caminhonete com a ajuda de um oficial da igreja e de uma adolescente que apareceu e perguntou se podia colaborar. Retiramos as últimas caixas do carro e as levamos para o escritório que ficava ao lado da igreja. Elas continham meus preciosos e poucos livros. Fiquei ali, em meu novo escritório, entusiasmado com a vista da minha nova mesa e das estantes. Mas o entusiasmo foi logo vencido pela ansiedade. No dia seguinte, começaria a minha vida pastoral. O que faria? Não tinha idéia, mas não con­seguia esperar para começar.
Na manhã seguinte, logo cedo, fui ao escritório. Sentei-me e tentei imaginar o que fazer em primeiro lugar. Acho que faltei ã aula no dia em que ensinaram "como come­çar" na igreja. Por isso, na falta de uma idéia melhor, colo­quei meus livros nas estantes, assentei-me e olhei atenta­mente para eles. Por onde começar? Fiquei pensativo du­rante um bom tempo. Sabia que o domingo aproximava-se e dois sermões eram esperados. Mas o que mais? O que dizer da direção, gerência ou liderança desta igreja? O que dizer das pessoas que eu pastorearia?
Achei que era conveniente descobrir uma lista dos mem­bros da igreja, mas não sabia onde localizá-la. Enquanto procurava, uma secretária voluntária apareceu e explicou-me como trabalhar no mimeógrafo. Ela estaria de férias por um mês e os boletins agora seriam responsabilidade minha. Acho que também faltei no dia em que ensinaram a respeito de "mimeógrafos e matrizes". Esse não era o começo que eu imaginara. A secretária me disse que não existia lista de membros, mas era possível providenciar uma. Ela saiu. Fiquei sozinho dentro de um escritório, em uma cidade estranha. Era responsável por algumas centenas de pessoas, pela verdade divina e por um mimeógrafo.
Aprendi rapidamente as tarefas do ministério pastoral. Preguei mensagens, ensinei lições, visitei membros nos lares e no hospital, dei aconselhamento pastoral e conheci a cidade e os seus habitantes. O que esquecia de fazer ou não sabia como realizar, uma pessoa bondosa rapidamen­te me informava. Mas a pergunta atormentadora: "O que eu faço?", assumiu uma nova forma.

A QUESTÃO REAL
Conforme eu cumpria minhas obrigações — conhecer pessoas, cuidar da igreja, preparar os sermões e os estudos bíblicos e dirigir uma variedade de reuniões bem maior do que eu imaginava —, subitamente percebi que realmente não sabia quem eu era.
Porém, de uma coisa eu tinha consciência: era considerado diferente das pessoas comuns da cidade. No hospital, era um dos "membros" do quadro de funcionários. No correio, não era simplesmente David Fisher, mas um dos pastores da cidade. Nos jogos esportivos, minha pre­sença era notada e elogiada. Ao descer a rua principal, certo dia, imaginei que jamais seria considerado um homem "comum" — pelo menos não naquela cidade. Eu fora David Fisher por vinte e seis anos. Subitamente virei o "Reverendo Fisher". Uma nova identidade me fora dada e não seria apenas eu mesmo de novo. Acho que não gostei disso. Não me adaptei a alguns dos estereótipos que acompa­nhavam o título de reverendo.
Era convidado para os eventos cívicos simplesmente por ser um dos pastores da cidade. Participei de um café-da-manhã a convite do prefeito local. Até me sentei ao lado dele. Era um agradável benefício para minha atividade pastoral, pensei.
O administrador do cemitério deu-se ao luxo de provi­denciar um emprego para mim. Eu era muito jovem e o novo pastor na cidade. Possivelmente ele pensou que eu precisava de trabalho. "Para as 'balinhas' das crianças", disse ele. Ele precisava de mim também. Ele cria firme­mente que ninguém devia ser sepultado sem um culto "cristão" adequado. Duas vezes, apenas três pessoas esti­veram junto à sepultura: ele, o coveiro e eu. Eu não sabia se deva rir ou chorar.
Fiquei cada vez mais sem jeito, ao tornar-me "alguma coisa". Não gostava de ser definido por expectativas, cargos e títulos. Algumas pessoas me chamavam de "reverendo", outras de "pastor" e um homem sempre se referia a mim como "o pregador". Algumas pessoas perguntavam como deviam me chamar. Mas ainda me sentia como eu mesmo, apesar dos títulos e funções que me atribuíam.
As coisas iam muito bem. A igreja crescia e todos consideravam-me um sucesso. Muitas pessoas me admiravam. O papel de "reverendo" era bem executado, mas sabia que lã no fundo eu continuava o mesmo. A distância entre o que as pessoas pensavam e o que eu realmente era parecia aumentar.  Às vezes é difícil ser ministro. Um dia, eu brincava com meus filhos no pátio entre a igreja e a casa pastoral. Um caminhão carregado de madeira passou em frente. O motorista buzinou e fez-me um gesto obsceno. Isso me perturbou profundamente. Quem eu era para aceitar esse tipo de abuso? O indivíduo não me conhecia. Ele apenas viu um pastor e jogou em cima de mim sua carga de raiva e ressentimento. Em outra ocasião, quando eu realizava minha costumeira corrida matinal, parei para conversar com um fazendeiro que trabalhava com o seu trator. Ele era membro da igreja e tinha um papo interessante. Quando me afastei, ele gritou: "Se você tivesse um emprego de verdade, não precisava andar por aí correndo desse jeito!". Eu sabia que ele era brincalhão, mas por baixo de todo humor há sempre alguma verdade. Quem sou eu para ele?, Imaginei. Minha corrida diária até o correio assumiu outro significado.
Ter o título de reverendo certamente Não era tão ruim assim. Na verdade, a maior parte de minha vida pastoral era maravilhosa. A maioria da congregação me amava e gostava também da minha família simplesmente porque eu era o pastor deles. As pessoas queriam ser nossas amigas. Até mesmo passar uma tarde com um jovem casal, para que pudessem tornar-se nossos amigos, era afetada pelo fato de que eu era o seu pastor, algo "especial" para eles. Eu pensava de outra forma. Eles concordaram, mas acrescentaram "pastor". Eu me preocupei, porque eles não foram capazes de separar o cargo do homem. Além disso, tinha a insistente suspeita de que a maioria deles não me amaria tanto se eu fosse um pastor ruim.  Havia mais coisas. Um senhor me telefonou e disse que sua esposa trancara-se no banheiro com uma arma, para se matar. Quando cheguei, ele já havia conseguido controlá-la e colocá-la na cama. Eu me sentei ao lado da mulher e ela se agarrou a mim com tanta força que me machucava. Disse-me que eu era o seu único elo com a vida. Quem realmente eu era? Esta questão de identidade tornou-se ainda mais nebulosa e um pouco assustadora. Eu realmente Não queria esse tipo de responsabilidade. Por causa disso, comecei a sentir-me intensamente desgostoso.
O administrador do cemitério me telefonou e disse que um ex-membro da igreja havia se suicidado. Era o meu primeiro funeral. Eu não conhecia ninguém no recinto, mas permaneci ali, para oferecer aos familiares uma palavra de conforto. Quem eu era agora? Uma coisa tinha como certa: para eles, era mais do que David Fisher, o seminarista recém-formado. Para essas pessoas eu era "alguma coisa", e elas esperavam algo de mim. Mas eu não sabia o que eles necessitavam; e eles, provavelmente, também não.
Uma mulher com um passado comprometedor aceitou a Cristo e resolveu me contar seu estilo de vida pregresso. Ela desejava exorcizar algumas lembranças horríveis e há­bitos destrutivos. Ela pensava que, por ser um homem de Deus, eu seria capaz, de ajudá-la a endireitar sua vida distorcida. Sua história de perversão sexual e violência era incrível e grandemente perturbadora; mas ela esperava que, mediante meu conselho, consertaria sua vida destroçada. Quem era eu para isso?
Até mesmo os deveres rotineiros estavam cheios da questão de identidade. Visitava as pessoas no hospital regularmente. Quem eu era? Um jovem simpático? Um vizinho e amigo? O pregador?
E, sem dúvida, havia a inevitável questão: quem eu era quando voltava para minha mulher e filhos? Eles conheci­am o meu verdadeiro eu, e não o "reverendo". Eles não desejavam um pastor em casa; eles queriam a mim. Isto estava cada vez mais complicado. Eu me tornara uma porção de coisas para muitas pessoas. Como iria equilibrar todos esses papéis? Poderia assumir tantas posições com integridade?
E quem éramos nós, minha esposa e eu, quando está­vamos juntos? As pessoas tinham tantas ou mais expectati­vas com relação a ela, a '"primeira-dama" da igreja. Ela não era simplesmente qualquer mulher, e nós não éramos uma família comum. Gostasse ou não, éramos modelos para a comunidade. A questão era: exemplos de quê?
Conversei com meus colegas de ministério e descobri que eles estavam tão incertos quanto eu. Cada um deles tinha uma função distinta e todos exerciam papéis diferen­tes em suas congregações. Um deles julgava-se evangelista. Outro, achava que era um reformador social. Outro visitava os lares e o hospital durante o dia. A autocompreensão de suas esposas era tão diversa quanto a deles. Algumas eram companheiras de ministério; outras, não. A participação delas na vida da igreja variava muito.
No retiro dos ministros de minha denominação, busquei orientação de meus colegas mais experientes, mas não obtive uma noção clara da identidade pastoral entre eles. O meu maior amigo queria desesperadamente deixar o ministério. Ele procurava um meio para desvencilhar-se de sua "vocação". Preocupei-me muito com isso.  Também fiquei cada vez mais insatisfeito com meus deveres e atribuições pastorais. Aprendi que há pouca satisfação na execução de tarefas sem uma identidade clara e fundamental. Nada no seminário me preparou para esta crise de identidade. Eu sabia quem eu era às 11 horas da manhã de domingo. Minhas raízes evangélicas e meu treinamento eram certos. No ato da pregação eu era o arauto do Senhor que proclamava a Palavra de Deus com poder. Mas quem eu era nas outras 167 horas da semana? Certamente não andava por aí como pregador o tempo todo!
Também ficava perturbado porque o desempenho e as expectativas na igreja e na comunidade não demonstra­vam ter nenhuma base bíblica ou teológica. Os pastores faziam determinadas coisas simplesmente porque era o que eles deviam fazer. Não eram muitas as pessoas que estavam interessadas em discutir o dever bíblico de um pastor, e poucas queriam lidar com a questão subjacente e fundamental: o que é um ministro do Evangelho?
Revi minhas anotações do seminário e nada encontrei que me ajudasse. Provavelmente eu também havia faltado nesse dia! Percebi que nunca tivera uma conversa a respeito da identidade pastoral que fosse além do "pregador". Procurei desesperadamente literatura contemporânea sobre o assunto. Não foi uma busca fácil. Eu tinha de partir do nada, uma vez que, curiosamente, meu curso ignorava o ensino nesse campo. Li a respeito de "agentes de mudança", "pastores-mestres", "teologia relacionai", "diretor pastoral", "pastor reformado", "treinadores" e "pastor como gerente" — todos modelos recentes para o pastorado. Eram alguns dos vinte e tantos modelos contemporâneos de ministério disponíveis no momento. Eu não me identifiquei com nenhum deles. Estavam muito longe da vida da igreja de uma pequena cidade e de minha experiência pastoral emer­gente. Meus colegas nas igrejas grandes e pequenas, rurais e urbanas, pareciam tão confusos quanto eu. A pergunta tomou vulto: ''O que é um ministro do Evangelho no final do século vinte?".
A literatura a respeito do ministério pastoral contempo­râneo é notavelmente diversificada. Mas tende a concluir que estamos no ápice da crise e que pelo menos parte do problema é a identidade pastoral em nossa sociedade moderna. Minha luta pessoal era uma pequena parte da realidade maior do ministério em nosso tempo. A profun­da ironia é que, embora seja uma questão fundamental no âmago do ministério, em três anos de seminário a questão nunca foi levantada.
Agora, eu estava a mais de 3.000 km do seminário e a quase 200 km da biblioteca teológica mais próxima, sentado em um pequeno escritório com meus cem livros. Os poucos que eu tinha a respeito do ministério pastoral apenas agu­çaram minhas dúvidas. Meus colegas estavam tão confu­sos quanto eu. E minha maravilhosa congregação, por mais simpática que fosse, não podia caminhar comigo por essa estrada.

UMA RESPOSTA SURPREENDENTE
A ajuda veio de maneira inesperada. Certa manhã, eu lia 1 Tessalonicenses. Subitamente uma metáfora viva saltou da página bíblica e acenou-me, e minha vida nunca mais foi a mesma. Paulo disse à igreja em Tessalônica (2:7) que ele fora gentil como uma mãe que cuida de seus filhos. Eu fiquei perplexo. Nunca pensara em mim como mãe, e certamente não imaginara ser meu ministério semelhante a uma maternidade. A idéia simplesmente explodiu em mi­nha cabeça.
Continuei a leitura. Paulo acrescentou algo à metáfora: ele também fora um pai para os tessalonicenses (1Ts 2:11). O apóstolo, além de mie, considerava-se um genitor pas­toral. Eu nunca pensara em Paulo como pastor operante. Esta metáfora de dois lados indicava para mim que ele tinha uma profunda autoconsciência pastoral. Comecei a procurar outras metáforas nas obras do apóstolo que reve­lassem o seu senso de identidade pastoral. Encontrei-as por toda parte: lavrador, arquiteto, oleiro, general, mordomo, embaixador, escravo, edificador, arauto etc.
Então, concluí que Paulo estava fornecendo a identida­de pastoral que eu tanto procurava. Será que a experiência dele seria o meio de eu iniciar minha busca de identidade e a estrutura de uma teologia pastoral? Conforme eu estu­dava, descobri que as metáforas de Paulo reunidas forne­ciam um retrato competente e poderoso de um pastor. Ali estava a resposta que eu desejava.
Paulo e os demais apóstolos do primeiro século viveram em circunstâncias similares às nossas. Eles representavam uma fé na marginalidade da vida de seu mundo. Com mais freqüência do que nunca, sua mensagem era despre­zada pela cultura mais ampla, tanto dos judeus como dos gentios. Paulo podia declarar que ele e seus companheiros eram "o lixo deste mundo,... a escória de todos" (1Co 4:13) e o Evangelho era "escândalo para os judeus, e loucura para os gregos" (1Co 1:23).
Imagine a primeira visita de Paulo à orgulhosa cidade de Corinto. Se a descrição a respeito do apóstolo estiver correta, ele era um homem de baixa estatura, curvo e calvo. Ele entrou em uma cidade que exibia estátuas de físicos perfeitos e glorificava o poder econômico e o valor filosófico. Além disso, a cidade era uma pocilga de perver­são moral revestida de religiosidade. Paulo viera para lhes dizer que a espiritualidade deles era defeituosa e a respos­ta às necessidades deles estava em um homem do Oriente próximo, um judeu, para ser mais claro. Este Salvador era o Senhor que fora crucificado, a fim de pagar pelos pecados deles, ressuscitara dos mortos e exigia pureza moral de seus discípulos. Falou de uma mensagem alienante! Não foi a toa que Paulo confessou ter entrado em Corinto com temor, fraqueza e muito tremor (1Co 2:3).
Ele sabia tudo a respeito das expectativas nada realistas. A igreja em Corinto se excedia nesse sentido. Ela não gostava da aparência do apóstolo, de sua personalidade, nem de seu estilo. Eles diziam: "Pois as suas cartas... são graves e fortes, mas a presença pessoal é fraca, e a palavra desprezí­vel" (2Co 10:10). Eles tornaram claro a Paulo que esperavam alguma coisa totalmente diferente dele como líder. Isso o machucou exatamente como fere a nós. A segunda carta que ele escreveu aos Coríntios é a mais autobiográfica de suas epístolas, e suas páginas tremem cheias de agonia e lágrimas, por causa da rejeição pessoal e pastoral.
Não penso que foi por acidente que a maioria das me­táforas pastorais de Paulo encontra-se em suas cartas aos membros da igreja de Corinto. Ele lutava com a sua identi­dade pastoral contra todo tipo de pressões culturais e eclesiásticas. O apóstolo não tenta esconder sua humani­dade, mas nos inclui em sua luta enquanto nos fala a respeito de seus sentimentos como pastor.  Paulo também foi atacado em Tessalônica. Alguns o acusavam de utilizar-se da bajulação e desonestidade, para tirar dinheiro dos cristãos. A primeira parte da carta é um lembrete do apóstolo que, quando ele estava em Tessalônica, era honesto e, acima de qualquer suspeita, seu discurso era marcado pela autenticidade e acom­panhado do poder de Deus. Na verdade, Paulo lembra à igreja que foi gentil como uma mãe que cuida de seus filhinhos e os encorajou como um pai que orienta seus filhos. Esses são retratos poderosos de um pastor. Mas por trás das metáforas encontra-se uma verdade ainda mais poderosa. Paulo sofreu muito para que os cristãos de Tessalônica soubessem que, embora o seu amor por eles fosse profundo e sacrificial, ele recebia ordens de Deus, não deles. Sua motivação era agradar ao Senhor e o seu fim era ganhar o elogio do Salvador (1Ts 2:4).
Em outras palavras, a forte identidade pastoral de Paulo estava enraizada em Deus. O Senhor fez dele um pastor, equipou-o com as ferramentas de um apóstolo e enviou-o a Tessalônica. Jesus fez de Paulo a mãe e o pai na fé dos tessalonicenses. Todas as acusações do mundo jamais abalariam essa firme convicção. Até mesmo o louvor e a admiração das igrejas não alteravam o fato de que ele recebia as devidas orientações de Deus, e não do mundo ou da igreja.
A última parte de 1 Tessalonicenses 2:6 esclarece o sen­so inabalável da identidade de Paulo. Era "como apóstolo de Cristo" que ele foi mãe e pai para os cristãos de Tessalônica. Ele recebia ordens do Senhor da Igreja, e o conteúdo de sua obra pastoral vinha de seu Salvador. Ele era materna 1 como foi gentil o Cristo que o enviou. Era paternal como o seu Senhor ensinou e treinou os seus discípulos. A pessoa de Paulo e sua obra pastoral estavam enraizadas no Filho de Deus. O modelo do apóstolo para ser um pai na fé não veio de sua experiência humana, mas de Deus, conforme revelado em Jesus Cristo (para saber mais sobre isto, leia o capítulo 8).
Para um cristão, a questão da identidade é mais do que psicológica. Se a nossa luta é simplesmente contra uma perda de significado, a resposta será estritamente humana e virá na forma de terapia ou algum senso de auto-estima mais elevado. Essa não é a resposta para as pessoas que foram criadas por Deus e renovadas por Cristo. Nossa iden­tidade precisa encher-se do conteúdo cristão, isto é, deve estar enraizada em Deus, formada por Cristo, a fim de receber o poder do Espírito Santo.
Para os ministros do Evangelho, a questão de nossa identidade é muito mais profunda do que os modelos pro­fissionais ou a adaptação cultural. Certamente, é mais do que recuperar um pouco de nosso respeito perdido no contexto da cultura ou da igreja. Nossa identidade, nosso senso de vocação e nossa missão devem estar fundamentadas nas Escrituras e cheias de integridade teológica.
É bom recebermos nossas orientações apenas de Deus, conforme Ele se revelou em Cristo. Embora a cultura contribua com uma parte muito significativa para a nossa formação e função como pastores, não devem vir dela as nossas principais orientações. E, embora as igrejas que ser­vimos sejam subculturas com seus próprios estilos, formas, tradições e expectativas, elas não devem nos dar as ordens. Mesmo que a arte da administração tenha muito a oferecer à Igreja e aos pastores em um mundo que se transforma rapidamente, as técnicas de gerência não podem definir a obra dos servos de Deus.
Minha crise de identidade era, em parte, meu profundo anseio de significado em um mundo que não pode dar muitas orientações a um ministro de Deus. Instintivamente, adaptei-me à minha cultura e à subcultura da igreja, a fim de descobrir esse significado. Desconfio que minha fome de seminários e livros é alimentada pelo mesmo desejo. Ao longo da vida, aprendi a receber minhas orientações do próprio ambiente que me cercava. Porém, isso é um beco sem saída. Nosso meio pode até nos dar significado, mas é seriamente limitado. Este mundo não pode fornecer mais do que ele pode criar! Se nossa afirmação vem apenas de fontes terrenas, temos apenas um recurso humano defi­ciente. Se nossa cultura cada vez mais despreza a fé cristã, como podemos imaginar que ficaremos satisfeitos quando buscarmos nela a afirmação? A igreja pode dar aos seus ministros maravilhosa satisfação; mas, se o nosso trabalho ministerial é o que nos dá as nossas orientações, essa é uma esperança realmente muito limitada. Os cristãos sabem amar; contudo, como somos humanos, amamos condicio­nalmente. Os melhores pastores devem compreender que, se ficarmos subitamente aleijados ou perdermos nossa ca­pacidade de trabalhar, grande parte de nossa afirmação vai desaparecer.
Portanto, saibamos que nossas principais orientações vêm de Deus. Nossa identidade encontra-se em seu Filho, que nos chamou para o seu serviço. Aprendamos a viver sob o sorriso de Deus, cientes que a alegria humana não passa de glacê no bolo divino. Nosso senso de propósito e sucesso deve vir de nossa identidade como servos de Cristo.  Nossa maior dificuldade é mantermos o delicado equilí­brio entre a descoberta de nossa identidade e as ordens de avançar em Cristo e amar a igreja com a sensibilidade adequada. A natureza humana tende a nos levar em uma destas direções. Podemos ficar tão cheios de nossa identi­dade como servos do Senhor, que nos tornaremos antipáti­cos e insensíveis. Ou reagimos com tal profundidade ao nosso povo e às necessidades dele (afinal, somos pasto­res!), que recebemos a nossa identidade e medimos nosso valor por ele. A maioria de nós fica insegura e procura agradar às pessoas, sendo facilmente manipulada para o bem ou o mal. Contudo, vivemos sob as ordens de Cristo. É uma situação difícil de ser compreendida.
Paulo combina os dois lados da equação pastoral no mesmo parágrafo de 1 Tessalonicenses 2. Ele não busca o louvor da igreja ou de alguém (v. 6). Mas foi brando entre eles "como a mãe que acaricia os seus próprios filhos".
Lã no fundo de seu coração, Paulo considerava-se pro­priedade de Cristo. Jesus, o Senhor da Igreja, o chamou para um ministério no qual ele permaneceu como pastor e apóstolo. Tudo o que fez fluía de seu profundo senso de estar sob as ordens de Cristo. Este é o fundamento da identidade pastoral cristã.
Ao mesmo tempo, Paulo podia dizer que se fez tudo para com todos (1Co 9:22). Ele era sensível ao seu ambi­ente e ajustava o seu ministério à igreja e à comunidade. Entretanto, esta formação cultural e eclesiástica, embora fosse crucial, era edificada sobre o sólido fundamento de sua identidade em Cristo.
Tenho um amigo que é um pastor de muito sucesso. Milhares de pessoas são arrebanhadas para ouvi-lo pregar.  Sua igreja é um modelo de evangelismo e discipulado. Um dia, ele fez uma declaração assustadora. Ele disse: "Eu não recebo nenhuma retribuição do meu trabalho nesta igre­ja". Ele afirmou ainda que a sua satisfação vinha de sua comunhão com Cristo, seu casamento e seus filhos. Eu ainda não cheguei lá. Desconfio que a teologia do meu amigo é mais forte do que a sua experiência e aí é que está o segredo. É verdade que Deus chama os seus servos para um trabalho divino e maravilhoso. Também é certo que trabalhamos em um ambiente muito humano. Eu ainda convivo com estereótipos, papéis e expectativas. Ainda estou cheio de dúvidas e temores. Com freqüência não me sinto bem como pastor. Quero a ratificação humana e o respeito da comunidade. Às vezes, não gosto de ser pastor, especi­almente quando existe algum abuso.
Mas sei que Paulo estava certo. Sou um servo de Cristo. Esse é o fundamento de minha vida. Lá no escritório da­quela igreja rural, descobri que Jesus me chamou para este trabalho com o propósito de que eu pastoreasse aquela parte de seu povo. Tudo mais no meu ministério flui desta convicção fundamental. Quando lembro quem sou em Cristo e submeto-me a esse chamado, sinto-me livre e, des­confio, um pastor melhor.

Extraído do livro "O PASTOR DO SÉCULO 21... Uma reflexão bíblica sobre os desafios do ministério pastoral no próximo milênio" (de David Fisher)

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